sábado, maio 03, 2003

Ando em fase de pensar muito e escrever pouco sobre minhas coisas. Aquela sensação de que não me entendem.
Pouco antes do feriado, uma velha amiga me telefonou. Nos conhecemos há 27 anos, quando eu fazia cursinho. Ela também fez faculdade de comunicações, como eu, mas somos pessoinhas muito diferentes. O sonho da vida dela era se casar e ter filhos. Quando estava com 39 anos, ela decidiu fazer isso a qualquer custo. O cara tinha fama de gay e ela chegou a comentar disso com as amigas. Todo mundo sacou mas ninguém teve coragem de dizer na cara-dura que as suspeitas provavelmente eram reais. Aliás, outro dia um sobrinho comentou: “Tem tanta gente que a gente nunca imagina e é. Imagina quem levanta suspeitas”. Sem preconceitos. Tive e tenho muitos amigos gays. O diabo é o cara se casar, levar uma vida de fachada, ser infeliz e desprezar a mulher, botar a culpa nela por suas frustrações.
Tive também fase de preconceitos, de achar que é uma aberração. Felizmente, somos da última geração cheia de grilos nesse sentido. Mesmo assim, é aquela coisa de “pimenta nos olhos dos outros é colírio”. Tudo pode ser normal, desde que não aconteça com a gente!

Vejam o que escrevi pra minha amiga:


Não existe fórmula da felicidade, e diz um velho ditado que “se conselho fosse bom, ninguém dava de graça”. Nós escolhemos, definimos nossos caminhos, nossos rumos e, quando estamos decididos por alguma coisa, de nada adiantam os alertas. E só nós sabemos onde aperta o calo.
Entretanto, hoje eu penso que talvez devesse ter sido um pouco mais explícita em tais conselhos há treze anos... Mas acho que, naquele tempo, faltava mesmo a experiência de vida de hoje. É um tempo que faz diferença.
Mas é claro que havia certas coisas evidentes que talvez só não fossem evidentes para você...
Temo dizer alguma coisa nesta carta e, de repente, estes papéis caírem em mãos erradas, complicando ainda mais a sua tão difícil vida.
Desde que nos conhecemos, o mundo mudou muito. Começamos nossa amizade no tempo em que ainda existia até o tabu da virgindade. Em seguida, ano após ano, tantos outros tabus têm ido por água abaixo, virando o século e navegando em velocidade jamais imaginada por nossos pais.
Nos últimos anos, mudei muito a minha própria cabeça. Valores que antes pregava como sendo de alto grau naufragaram. Amadureci também à custa de muitas perdas. Entre as perdas, dois irmãos e grandes amigos.
Pelo meio do caminho, deixei aquele amigo que te achou parecida com Patrício Bisso (a Olga Del Volga, lembra?). Era o meu grande, talentoso e bem-humorado amigo Dílson, diretor da revista Set. Ele morreu de Aids, há uns seis anos, tendo convivido com o vírus durante doze anos. Sempre tive quase que certeza da opção sexual dele, mas nunca houve oportunidade de discutir o assunto. Nem sei se seria o caso. Certas coisas são indiscutíveis. Até mesmo os sentimentos, o amor.
Eu penso que é complicado rotularmos o que é certo e o que é errado...
Ainda hoje, mesmo pessoas que se dizem sem preconceitos dificilmente aceitam a bissexualidade. Mesmo aqueles que já nem têm tantas restrições ao homossexualismo. O assunto é muito complexo para levantar aqui. Mas, segundo últimos estudos, a tendência se firma ainda no ventre materno. Só que alguns nunca assumem ou até mesmo se recusam a aceitar que tais “anomalias” ocorram consigo mesmo. Com isso, tentam de tudo para se enquadrar dentro de um quadro “politicamente correto”. Lutam consigo mesmo, contra os próprios desejos.
Infelizmente, essa situação afeta outros seres inocentes, pessoas com quem acabam se relacionando e se tornando vítimas. Fazem filhos, passam problemas adiante. Raramente conseguem controlar as próprias emoções e agravam ainda mais a situação ao tentar camuflar uma realidade. Ou assumem de modo patético.
Entre os pais de hoje, o convívio com esses filhos “diferentes” tem sido menos traumático. Muitos jovens já assumem namoros com pessoas do mesmo sexo. Mais uma vez, fomos cobaias dessa transição...
Falando de seu “problema”, minha amiga... O que tenho a lhe dizer é que algumas mulheres se recusam a ver, do mesmo modo que aqueles caricatos pais. “Tem pai que é ceego” – lembra?
Mas tudo isso já aconteceu. Você teve dois filhos e precisa encontrar uma solução menos traumática e, se possível, ainda a tempo de preservar um relacionamento suportável, dividindo responsabilidades com o pai de seus filhos. Por mais que você parta para a separação, para o divórcio, não existe a opção de se desfazer o vínculo paterno. E não se esqueça de que seus filhos são fruto da mistura da mãe e do pai que tiveram. No momento presente, pode ser que eles pendam para um lado, talvez até levado por interesses econômicos. É uma coisa muito comum de acontecer. Crianças são naturalmente egoístas, colocam em primeiro plano o “ter”, em detrimento ao “ser”. Eles querem tudo para si apenas, em primeiro lugar. Uns são mais egoístas que outros. As tendências são genéticas. Pode até ser que se eduquem para agirem um pouco diferente diante da sociedade, mas a essência vem na carga genética.
Resumindo: com isso tudo, quero lhe dizer para você não se culpar pelo que está além. O que tinha que acontecer, já aconteceu. Você tem de tratar de preservar a sua dignidade. Hora de se preocupar menos com o que os outros possam achar ou dizer. Com o que possam dizer das roupas que seus filhos usam: se estão na moda, bem lavadas ou passadas. Tente priorizar outros valores. Preserve a própria saúde física e mental, para que possa continuar a oferecer carinho e aconchego a essa família que você formou.
Não jogue pela janela a própria dignidade. Não se deixe humilhar pela falta de dinheiro. Tente também entender que você recebe esses tapas na cara por não terem outra coisa para jogar em cima de você. Ele provavelmente usa a tática do ataque para se defender. Acho que é hora de parar as discussões. O silêncio pode ser a melhor no momento.



quarta-feira, abril 30, 2003

Dias de cansaço. Ando escrevendo tanto que sobra pouco tempo para escrever coisas minhas.