sexta-feira, dezembro 13, 2013

2030


​2030. As duas mulheres sorriem ao olhar pra menina compenetrada na leitura. "Música ao Longe" é o que a entretém no aparelho ITudo, acoplado aos novos óculos, muito parecido com os modelos gatinho, de há uns 80 anos. 

 Ajeitando os cabelos multicoloridos, ainda presos em coque, dona Joana relembra aquela tarde terrível em que Juraci, a filha, disse que estava grávida. Ela rezou, pediu a Nossa Senhora, a Deus, aos espíritos de luz que tudo não passasse de um alarme falso. Se não tivesse sido assim, sua netinha teria agora dezesseis anos e não apenas nove.
 Interrompe os pensamentos ao escutar um barulho de chave na porta e grita: "É o vovô chegando! Cuidado pra não tropeçar no degrau!" ​ O vovô, se apoiando em duas muletas, arrasta uma das pernas, mas consegue trazer uma pequena sacola com pães frescos. Tira um doce do bolso e entrega pra netinha, com ar de cumplicidade. Sem sacudir a cabeça, a menina abocanha o mimo inesperado.
 "Espera que vou fazer um café!" -- grita dona Joana, enquanto a Juraci se prepara pra sair. Ela terá de atravessar a cidade para chegar à universidade onde se encontrará com seu grupo de orientandos. Liga a cafeteira e, ao escuta a água do chuveiro, pela porta do banheiro sempre aberta,  a velhinha corre para seu ITudo, onde mentaliza um blog e fixa os pensamentos naquela tarde de agonia e de tantas rezas e pedidos a Deus. Viaja no tempo, conduzida pelo cheirinho de café fresco saindo da cafeteira.
Fecha os olhos, localiza o post, relê e sorri. Bastou fazer um search com a palavra ITudo, que encontrou os desabafos daquele entardecer de pensamentos difusos. Seus olhos se enchem de lágrimas ao relembrar a bênçao da noite de sexta-feira em que seus números saíram na DuplaSena e tudo mudou. Mudou principalmente quando Juraci a acordou tarde da noite pra contar a inesperada novidade.
Na verdade, foram duas novidades na noite mágica de sexta-feira 13, a última de 2013. Deus lhe dera mais uma vez a prova de que pode atender aos pedidos feitos de coração. Especialmente quando reconhece e pede perdão por tudo que a deixara tão culpada. Ao conversar consigo mesma, consultando a consciência, naquela noite, Joana vira que não cometera nenhum pecado. Nem naquele dia, com os pensamentos. Nem há 34, 30 ou 22 anos. Fora verdadeira e tudo que fizera era pelo bem da filha, em especial. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário